NOTA DO BLOG: Procurando por história de pessoas da nossa terra na internet deparamos com a história de José Luiz Dias, um mutuense que foi entrevistado pelo site Museu da Pessoa (Um Mineiro Cheio de Histórias) que relata sua vida em Mutum, precisamente no Córrego Seco.
Outro testemunho importante é sobre seu pai durante a Revolução Constitucionalista de 1932, quando Mutum ficou sem policiamento. Veja o vídeo abaixo:
Agora leia a postagem no site Museu da Pessoa a partir da entrevista fica com nosso conterrâneo em terras bandeirantes. Reproduzimos na íntegra:
Um mineiro cheio de histórias
História de: José Luiz Dias
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em: 14/05/2014
Autor: Museu da Pessoa
Publicado em: 14/05/2014
SINOPSE
Em seu depoimento, José Dias
lembra sua infância na região de Córrego Seco, município de Mutum, Minas
Gerais. Fala da casa de infância, das brincadeiras e de como o pai se tornou
uma figura respeitada na região. Recorda os acontecimentos que levaram o pai a
se matar ingerindo formicida. Conta como casou aos 25 anos e constituiu
família em Mutum, decidindo migrar para São Paulo em busca de melhores
condições de vida. Em São Paulo, trabalhou em várias empresas e criou sua
família de 9 filhos. Finaliza falando sobre a sua cegueira, originada por um
glaucoma não curado.
HISTÓRIA COMPLETA
Meu nome é José Luiz Dias, eu
nasci dia 5 de junho de 1935, mas os funcionários públicos errarem. Quando eu
fui pegar a minha aposentadoria por idade é que achamos aquela diferença. No
documento está 5 de julho de 1935, mas o nascimento mesmo é 5 de junho. Eu
nasci lá no Córrego Seco, no Distrito de Centenário, município de Mutum, MG.
Fica lá na zona de Governador Valadares, já divisando com o Espírito Santo, à
esquerda, na Estrada Vitória-Minas. Meus pais são de Santa Isabel do Rio Preto,
estado do Rio. O nome do meu pai era Manuel Luiz Dias e minha mãe, Maria Neves
Dias. Esse pessoal veio da zona norte do estado do Rio pra nossa zona lá.
Quando eles começaram era tudo mata. O meu pai e mais outros abriram lá as matas
e formaram suas lavouras. Ele trabalhou pra um fazendeiro de tropeiro.
Antigamente, de onde a gente estava até o Aimorés, onde tem a estrada
Vitória-Minas dá mais ou menos uns 70, 80 quilômetros. Se precisasse comprar
sal, querosene, arame de cerca, tinha que ir buscar no carro de boi ou nas
costas de burro. Então, dez burros era uma tropa, encangava aqui, punha a saca
e descia, ia lá embaixo buscar, depois trazia. Meus pais se conheceram nas
rezinhas da roça lá, católico conhece seus namorados lá na igreja, na reza.
Porque rezava mês de Maria, a novena de Santa Luzia, São Sebastião, São José.
Minha casa era de interior, eram
dez metros por 20 ou 25 assim. Aí subia o centro da casa, eles punham aqueles
pau-a-pique que era cumeeira que falava. Era a casa que meu pai fez pra gente
morar. Eu tenho oito irmãos, comigo nove que escapou, antes desses nove acho
que morreu três filhos da minha mãe e do meu pai. Meu pai era baixinho,
pequeninho, brabinho. A minha mãe também, calculo mais ou menos, acho que ela
era da mesma altura do meu pai, um pouquinho mais alta. Mas nenhum deles era
gordão. Como meu pai nasceu na roça, mexendo com burro, ele era pequeno, mas
era forte, virou atleta. Depois que ele namorou e casou com a minha mãe foi lá
pra esses cantos lá da roça, comprou esse pedaço de terra, derrubou mato,
plantou café, fez casa. Ele chegou a fazer acho que seis casas de colônia.
Esses cafés nossos, nessa época, quando começava lá, colhia ele, limpava e ia
levar lá no Aimorés. Aí, depois mudou, melhorou, surgiram alguns proprietários,
caras mais ricos, começou a aparecer o caminhão. Aí já vinha pro lado de
Ipanema, Manhuaçu, lá tinha estrada de ferro que pegava e ia pro Rio.
Esse pedaço de terra, lugar que
era isso aí, dava 12 alqueires e meio de terra. Embaixo, tinha umas várzeas,
depois subia um morro assim, aquela pradaria, depois dava uma descida, aí outra
planicezinha, ali ele fez a nossa casa. O papai ficou um homem de destaque, ele
ficou conhecido. Como ele era tropeiro, estava sempre indo de fazenda em fazenda
buscando café, levando cereais pra eles. Na Revolução de 32, o Governo de São
Paulo pediu ao Governo de Minas pra ajudar e o Governo de Minas, então, juntou
todos os soldados que ele tinha na capital. Aí as cidadezinhas do interior
ficaram tudo sem autoridade, sem soldado, sem nada. Como papai era conhecido na
cidade e as autoridades sabiam que ele era uma pessoa de destaque, de
representação, chamaram ele lá e disseram: “Olha, seu Manuel, o senhor vai ser
o bate pau daquela região ali. Se precisar prender alguém você vai prender e
traz pra cá. Você vai ser uma autoridade ali”. Aí, terminou a revolução, ele
foi tocando a vida, mas o nome dele ficou lá na delegacia. E quando terminou a
revolução e normalizou tudo, cada um tomou seus postos. E nessas alturas o
papai ficou conhecido. Mas a nossa casinha lá na roça, no Córrego Seco, ficou
alembrada pra esses policiais.
Nessa época, dessa nossa casa até
a cidade devia dar uns 70 quilômetros, mais ou menos. Morria gente cá, punha
num banguê lá, não era nem nesse caixão que faz assim, levado na mão. Não tinha
condição nem nada, levado na mão lá pra cidade. Então, houve a necessidade de
fazer um cemitério lá. O papai e os outros amigos dele fizeram uma igrejinha
lá. Papai pegou o cemitério de empreitada da prefeitura pra fazer. Mandou
derrubar uma sapucaia lá, rachou e trouxe. Deve estar até hoje lá. E o papai
fez o cemitério. Estava pronto o cemitério, morreu uma velha lá na cabeceira de
Santa Elisa. Então, os homens logo: “Vem cá, morreu” “Traz pra cá”. Mas não tinha
oficializado o cemitério, papai tinha terminado, mas as autoridades da
prefeitura não vieram pra oficiar o cemitério, né? Então todo mundo ficou de
acordo com papai, aí conversou lá com meu tio: “Não, não tem problema. Nós
vamos enterrar aí e amanhã nós vamos dar baixa lá”. Assim ficou, fez o enterro.
A primeira pessoa que foi enterrada lá foi uma senhora de idade, a mãe do Chico
Espanhola, dona Antonieta, outra família lá.
Daí uns tempos a vida seguiu, o
papai comprou outra propriedade lá no município de Pocrane, vindo pro lado de
Aimorés e de Assaraí. Então, ele pôs uma outra fazendinha lá. Era uma fazenda
que tinha máquina de limpar café, máquina de limpar arroz, rodas d’água, tinha
também a eletricidade pra iluminar a fazenda. Meu lazer era ajudar meu pai. Eu
tinha lá meus aninhos de escola, a gente descascava milho, debulhava e levava
pra moer no moinho. Prendia bezerro, tirava leite, prendia os porcos, tratava
dos porcos e terminava a obrigaçãozinha e ia pra escola. E chegava na escola a
gente ia, a meninada ia bem antes de começar a escola pra jogar bola na frente
da escola. A escola era na fazendinha de um fazendeirinho lá, até na frente
assim da escola era cheio de esterco, bosta de boi, esse negócio. As primeiras
bolas que a gente brincava eram bolas feitas de meia. Botava meia e enchia de
pano velho. As mamães sempre costuravam aquela bolinha. Era o meu lazer aquilo.
O meu pai fez uma tragédia, ele
se suicidou, ele tomou formicida Tatu. E ele está enterrado lá em Assaraí, no
município de Pocrane. O meu sonho, se eu pudesse, ir lá conversar com os
prefeitos de lá, fazer uma sepultura pro meu pai lá no cemitério que ele fez.
Aquele túmulo que nós fizemos pra ele lá em Assaraí, está lá a foto dele, tirar
os restos mortais dele e trazer pro Córrego Seco, pro cemitério que ele fez.
Esse é um dos meus sonhos. Quando ele se matou eu tinha 18 anos, foi em 1952. O
meu pai gostava de beber. O meu irmão montou um negócio de jogo, toda vida foi
viciado em jogo. Então, tinha um joguinho num canto lá no quarto, ficou meu
irmão lá jogando com uns caras. E tinha um cara lá que era soldado foragido, o
cara fugiu da polícia. Naquela região ele batia em todo mundo, ele dominava
todo mundo. E o meu irmão encrencou com esse cara e brigaram. Meu irmão saiu de
casa, tirando a garrucha, saindo pra fora e o outro vinha com uma faca e um
chicote na mão, um barbeiro foi tentar segurar o cara. Todo mundo escutou um
tiro e caíram dois homens mortos no chão. Papai chamou o advogado, escondeu
ele. Faltavam três meses pro júri, papai apresentou ele lá, prendeu, ficou três
meses preso, entrou no júri e saiu livre, livre. Aí esse meu irmão ficou bravo,
ficou valente, criava problema com todo mundo e o papai acudindo daqui,
acudindo dali, e ele não foi morto porque papai era uma pessoa de nome, de
respeito, consideração, as pessoas toleravam. Então um cara noivou com a minha
irmã. E como esse meu irmão era um cara valentão, encrencou com o noivo da
minha irmã. Esse rapaz chamou a minha irmã e terminou o noivado com ela. Quando
o papai ficou sabendo já tinha acabado o casamento, aquilo foi uma tragédia na
cabeça do meu pai, porque ele gostava muito desse rapaz. Quando acabou o
casamento, passou poucos meses, aí ele só bebia, só bebia, saía, bebia. E
aconteceu dele suicidar.
Eu casei em 1960, com 25 anos. A
minha esposa é muito simples. Aquelas meninas antigas, aquele respeito dos
pais, da mãe. Casei com ela por amor, por paixão. Eu vivi 53 anos, vivi
apaixonado por ela. Fui honesto com ela. Eu tive muita namorada. Mas namorar de
longe, fazendo frete. Eu abracei minha mulher na semana que nós fomos casar.
Porque eu dei um abraço e tinha uma porção de menina perto, tudo vigiando.
Quando eu casei eu tinha uma venda na casa. A gente era colega de escola, eu
comprei uma vendinha que era na propriedade do meu sogro. Eu casei lá no
Córrego Seco, fiquei dono daquela vendinha. Depois nós fizemos inventário lá,
separou, comprei um outro pedaço de terra. E daquela terra peguei, vendi e fui
pra dentro da cidade de Mutum. Lá eu pus venda e tal, depois comprei caminhão,
uma vidona. Na verdade, antes de eu vir pra São Paulo eu queria ir pro Paraná.
Eu já estava casado, estava no Mutum, tinha um caminhão, trabalhava. A minha
esposa estava grávida do primeiro filho nosso que chama José Luiz Dias Filho.
Ela foi na casa de outro irmão em uma outra propriedade pra baixo, foi de
charrete. Ela estava barrigudona, foi junto com ela uma prima dela que era
casada com meu irmão. Antes de chegar lá os arreios desarrumaram, foi em cima
da égua, o animal que puxava a charrete e ela disparou morro abaixo, uma
descida assim. O meu irmão e a minha cunhada pularam fora da charrete. A minha
mulher, barriguda, agarrou o pé no estribo da charrete e foi arrastada. Eu
estava na venda, peguei um jipe e levei pra Mutum. Mutum não tinha médico. Aí
levamos pra Aimorés. Aí, deixaram ela internada lá na Santa Casa e eu voltei
pra Mutum. Quando nasceu, fui lá buscar, fui pagar. Aí, fui lá paguei as
despesas todas, pus ela no ônibus e viemos pra nossa casa. Esse é o primeiro
filho, José Luiz Dias. Eu tive nove filhos. Lá no Mutum nasceu esse, José, e
quando eu vim pra São Paulo nós trouxemos um menino com um ano e seis meses,
chamado Geraldo, e ela trouxe na barriga a Marisa, a outra filha mais velha.
Nós viemos em 1965. Quando eu estava no Mutum, o caminhão fazendo carreto e
tudo, eu peguei uma mudança de uns caras lá pra levar pra Campo Mourão, no
Paraná. E os outros companheiros, amigos da onça: “Ah, não vai com esse
caminhão, esse caminhão vai quebrar com isso, vai encravar esse povão tudo aí,
não faz isso, não”. Vendi o caminhão e passei a mudança pra outros caras
fazerem. Então eu fiquei mais uns seis meses, lá no Mutum e de lá que eu vim
pra São Paulo. Vim morar em Diadema. Eu estava no bairro do Jardim Portinari.
Vieram uns primos meus que começaram a trabalhar na Padaria Santa Teresa, na
Praça da Liberdade. Eles moravam lá na Piraporinha, então por intermédio desse
primo meu que eu vim pra Diadema. Quando eu vim pra Piraporinha já tinha outros
conterrâneos por ali. De um outro conterrâneo meu eu comprei esse terreno no
Portinari, com casa e tudo. Uma luta aí.
Eu comprei uma barraquinha de
fruta em frente a Forjaria São Bernardo e trabalhei uns quatro, cinco meses
ali. E de lá de São Bernardo nós vínhamos fazer compra aqui no mercado. Tinha
um bar perto, o cara tinha uma barraca de frutas e eu comprei do cara a barraca
pra ir trabalhar. Aí achei que aquilo não era futuro, fiz conhecimento com o
pessoal da firma lá. Trabalhei na Forjaria São Bernardo até eu ser demitido no
dia 1º de abril de 70. Eu trabalhei quatro anos lá. A firma foi vendida. Desse
trabalho, eu saí, fui trabalhar na Mercedes-Benz, trabalhando na profissão que
eu aprendi na Forjaria, operador de Máquina. Quando eu trabalhava na Mercedes
Benz, veio esse meu irmão, eles quebraram lá e vieram pra São Paulo. Ele
comprou um terreno de um pernambucano lá em Diadema e deu uma parte em dinheiro
e ficou devendo. Depois ele não arrumava o dinheiro, voltou lá em Minas e não
teve um parente que emprestasse dinheiro. Ele fica me atentando, me xingando,
vou cobrir ele na peixeira. Aí pedi ao chefe da forjaria da Mercedes Benz me
mandar embora. Peguei o dinheiro, emprestei lá pra ele. Logo em seguida
eu já entrei na Volks. Trabalhei sete meses lá e pedi a conta. Fui trabalhar
por conta, quebrei a cara. Deu tudo errado. Minha intenção era comprar uma
máquina de raspar taco. É o que estava na moda naquela época, a gente raspava o
taco, punha cascolac, sinteco, ficava o piso bonito. Aí comprei a máquina pra
raspar, quando eu entrei no negócio, não explorei, nem nada, tinha raspador de
taco pra tudo quanto é lado. Você dava um preço, o outro ia lá e dava o outro e
dava o outro. A pessoa que trabalhasse mais barato fazia alguma coisa. Eu me
ferrei. Aí passou, passou o tempo, parei de raspar taco e fui trabalhar de
pedreiro. Fui trabalhar de pedreiro. Trabalhei de pedreiro e não progredi.
Sobre a minha vista a história é
a seguinte. Comecei a tratar lá na Fundação ABC. Aí surgiu a propaganda das
Clínicas: Mutirão da Catarata. Parei lá e vim pras Clínicas. Entrei aí, era uns
dois mil velhos na portaria das Clínicas. Mas eles não fizeram o mutirão da
catarata, não era pra curar ninguém, não. É pra levar bastante velho pra servir
de cobaia praqueles médicos estudar. E eu fui um desses azarados que ele não me
curou, me deixou jogado lá pro estudante e não passou médico especialista pra
olhar minha vista e deixou o glaucoma acabar com a minha vista.