sábado, 12 de setembro de 2020

UMA COLETÂNEA, DOIS MUTUENSES


Foi coincidência dois mutuenses selecionados para a mesma coletânea literária do projeto Apparere, ligado à editora PerSe. Foi o que ocorreu em agosto, quando os escritores Cláudio Antonio Mendes e Sérgio Rodrigues de Souza tiveram seus textos aprovados para participar da coletânea Meus filhos, meu maior tesouro!

 

Cláudio Antonio Mendes participa dessa coletânea com o poema No abraço dos rebentos. Nele, o poeta fala da força de uma mãe que carrega nos ombros o desprezo do mundo, a desilusão  e todo tipo de sortilégio encontra no abraço dos seus filhos para ainda continuar respirando.

 

Sérgio Rodrigues de Souza integra a coletânea com o texto tendo o mesmo título da coletânea. Ele faz um mergulho em vários aspectos, incluindo o filosófico, para enriquecer a reflexão que devemos fazer sobre o que de fato um filho é para seus pais. Faz distinção entre dádiva e presente e que os pais também têm muito a aprender com os filhos. Filhos são tesouros não por carregar a herança genética do pai, mas pelo que o filho oferece aos pais.

 

Ambos já participaram de outras coletâneas do projeto Apparere além de terem livros publicados e vendidos na plataforma da editora.

 

Livros vendidos pelos autores na PerSe:

Cláudio Antonio Mendes

Sérgio Rodrigues de Souza


Link para o projeto: 

APPARERE


Link para adquirir o livro: 

Coletânea Meus Filhos, meu maior Tesouro!

domingo, 2 de agosto de 2020

NOSSA LITERATURA E O CONTEXTO REGIONAL

         

    Para celebrar o dia do escritor, 25 de julho, a Associação Sociocultural de Conceição de Ipanema-MG (Concipa) realizou a série de lives denominada Semana Literária: Espaços e perspectivas para a produção literária no interior, nos dias 21 a 24 de julho de 2020. O evento foi organizado e mediado pelo Professor José Aristides da Silva Gamito.

         Participaram dessa atividade dois escritores de Mutum-MG, Cláudio Antonio Mendes no dia 21 com o tema O processo de produção literária e o prazer da leitura e José Ronaldo Siqueira no dia 24 com o tema O poder da literatura: A relação escritor/leitor e os benefícios da leitura. Foram entremeados com a participação de Romildo Alves, de Pocrane-MG, com o tema Falando de quem gosta de escrever!, no dia 23.

         A Concipa, que tem realizado uma série de lives como a Semana online de filosofia e Seminários de educação política, trouxe para a discursão as temáticas próprias da literatura, contribuindo para que a nossa região pudesse ter acesso a aspectos relevantes da produção literária no Brasil e seus desafios.

O Professor José Aristides da Silva Gamito concedeu ao blog Mutum Cultural entrevista falando sobre o evento:


Mutum Cultural: Como surgiu a ideia da Semana Literária?

José Aristides da Silva Gamito: A ideia surgiu da necessidade de dar continuidade ao projeto de incentivo à escrita e à leitura que a Associação Concipa vem fazendo desde 2018. O trabalho foi interrompido pela pandemia. Então, pensei no recurso das transmissões online (lives) para prosseguir com o projeto e utilizar as lives para entrevistar os escritores das cidades vizinhas que já possuem experiências. O projeto foi uma iniciativa minha com o apoio da Associação Sociocultural Concipa.

 

Mutum Cultural: Que outras atividades a Concipa já desenvolveu em relação à literatura? Em relação a outras atividades artísticas?

José Aristides da Silva Gamito: As atividades de valorização da arte acontecem através de uma agenda cultural anual. A cada dois meses, realizamos o Sarau Cultural. Nas demais ocasiões, aproveitamos as datas comemorativas para alcançar todas as formas de arte. Já realizamos exposições de pintura e escultura, festival de música, produção de curta-metragem, concurso de desenho, intercâmbio cultural. No campo específico da literatura, realizamos a publicação artesanal de suas coletâneas de poetas de Conceição de Ipanema. Além de haver em todos os saraus o cantinho da poesia.

 

Mutum Cultural: Qual a contribuição que a Semana Literária deu para alavancar a literatura na nossa região?

 

José Aristides da Silva Gamito: A primeira contribuição que esperamos é a motivação para que pessoas comuns mostrem seus talentos na escrita, que tenham coragem de escrever e de divulgar seus textos. Depois, esperamos criar vínculos com as cidades vizinhas para trocar experiência entre escritores. E também, gerar meios de amparo e de fortalecimento dos escritores do interior. Por isso, fiquei muito grato por receber na semana dois escritores mutuenses, Cláudio e José Ronaldo, e um escritor pocranense, Romildo!


         Para o professor e escritor Cláudio Antonio Mendes, iniciativas como essa contribuem como estímulo a quem escreve em nossa região. Com o advento das comunicações através da internet o caminho entre o escritor e os meios de produção editorial ficou mais curto, porém, com mais encruzilhadas. Didaticamente, o autor de obras como Uni versos, Decalogias poéticas e Duas noites de vingança salientou os cinco meios de produção em que um escritor poderá percorrer até ver sua produção literária transformada em produto para estar disponível para o leitor, Mas alertou para o entusiasmo em demasia, achando que vai conquistar centenas de leitores a partir de uma única obra. Ele também falou resumidamente do encanto de se ler, citando Monteiro Lobato como ilustração. Cláudio Antonio Mendes também falou sobre a importância de uma associação de escritores regionais.

         Cláudio Antonio Mendes ainda destacou a Lei Aldir Blanc como possibilidade de alavancar a produção no interior.

 

         Outro mutuense, de habitat, que participou foi José Ronaldo Siqueira, autor de O prisioneiro, Historinha é o escambau! e Manual não injuntivo de como criar um monstro. O blog também ouviu esse lavrador das narrativas que tem sido exitoso em concursos literários Brasil afora.

Na última semana, participei, juntamente com o amigo, colega de trabalho e irmão de pena e tinta, o Cláudio Mendes, de uma semana literária, idealizada e mediada pelo também amigo e colega José Gamito, de Conceição de Ipanema. A proposta era de se entrevistar autores da região, através de lives, sobre a forma de produção e a visão de escritores do interior sobre a literatura brasileira contemporânea e a exclusão ou não dos autores independentes interioranos no contexto nacional.

         Conversei sobre como é meu modus operandi quanto à concepção da história, como eu faço para produzir meus livros (o processo todo, desde a idealização até a publicação), onde eu comento, inicialmente, que o importante é se fazer um portfólio do seu material através de concursos literários espalhados por todo o país. Quando se coletar uma certa quantidade de textos premiados, pode-se ir atrás de uma editora. E, o mais importante de tudo: um escritor e´, antes de mais nada, um leitor em potencial. Não existe escritor que não consuma literatura (nacional ou não). O hábito de leitura é instrumento mais do que essencial nesse assunto.

         Foi algo realmente muito, mas muito interessante e importante a semana literária de Conceição de Ipanema. Pudemos nos divulgar, mesmo que com uma plateia singela, mas o mais importante: pontapé inicial foi dado para a divulgação do nosso trabalho e de que, saibam por aí, que o interior tem gente escrevendo, sim. Escrevendo e publicando.

 

Durante o evento foram sorteados dois livros Uni Versos contendo poemas de Cláudio Antonio Mendes. Os contemplados foram Phillipi Carlos Gonçalves, de Pocrane-MG, e Cleuza Dias de Assis Bernardes, de Alto São Luiz, Conceição de Ipanema-MG.  

         O fomento da nossa produção literária a nível regional deu um sobressalto a partir desse evento.

    

AGRADECIMENTO

O blog, na pessoa do presidente da Concipa, Alexandre Lima, ressalta o empenho de todos os integrantes da entidade promotora do evento.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

A PERGUNTA QUE TODOS FAZEMOS - PARTE II




Nessa segunda parte da entrevista, o autor do livro O Que Farei Da Minha Vida Ao Sair Daqui? Um Ensaio Sobre Pedagogia Carcerária, que abrilhantará o Café Literário, no próximo sábado, a partir das 08:00 hs, na Biblioteca Municipal, evento promovido pela Secretaria de Cultura de Mutum.
         Sérgio Rodrigues de Souza nos conta sobre a iniciativa de escrever essa obra em que filosofia, antropologia, psicologia social e pedagogia se encontram para analisar o homem em suas prisões a partir da busca de perspectiva para a vida.
         O autor também fala da sua expectativa para o Café Literário quando poderá compartilhar com os participantes, cara a cara, sobre a história do seu livro que traz em seu bojo parte da sua história e da sua concepção de vida.



ENTREVISTA


MUTUM CULTURAL: O seu livro surgiu a partir de uma experiência pedagógica em um ambiente específico. Comente sobre essa prática que te levou à reflexão:

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: No ano de 2008, a Professora Márcia Luzia Pires de Sá, à época Secretária Municipal de Educação de Mutum, junto à Inspetora Meyre Ribeiro, me convidaram para trabalhar, como professor regente de turma, na Unidade Prisional de Mutum.
Na oportunidade, iniciei um trabalho de registro das atividades pedagógicas, de observação-participante, de depoimentos dos detentos [na condição de estudantes], entrevistas, histórias pessoais, coletivas e sobre todo este material, construí uma investigação acadêmico-científica fundamentada no estudo de autores clássicos nos campos da Antropologia, da Psicologia, da Filosofia e da Sociologia.
Em 2014, fui estudar sob a orientação do Professor Dr. Luis Eligio Martelly, em Havana, que é pesquisador na área de educação prisional e a maior autoridade mundial no assunto, tendo criado métodos inéditos de pesquisa neste campo. Na oportunidade, pude conhecer o sistema educacional cubano, o sistema prisional daquele país e assim, elaborar propostas pedagógicas para adolescentes em condições de privação de liberdade.
Em 2016, fui estudar com a eminente Professora Drª. Amelia Haydèe Imbriano, na Universidad Kennedy (Buenos Aires), a mais conceituada cientista internacional em crimes violentos cometidos por crianças e adolescentes, autora de vários clássicos que trazem reflexões profundas sobre o tema. Neste momento, é que elaboro meus estudos sobre a questão da delinquência juvenil como forma de busca por reconhecimento individual e coletivo, mais uma forma estranha de compensar a ausência da autoridade e da presença parental concreta.
Neste mesmo ano (2016), tenho a oportunidade e a honra de orientar um estudante de Mestrado da Universidad Del salvador (Buenos Aires), o Sr. Belarmino Oliveira, que estudava e pesquisava sistema de educação na Penitenciária de Viana (ES). Este representou um momento ímpar, porque era a hora de observar o trabalho sobre prisões a partir de uma lente externa.

MUTUM CULTURAL: Na sua percepção, o que a perda da liberdade pode provocar no homem?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: A primeira coisa que a perda de liberdade provoca é um alijamento social, o que por si só, já representa um fardo muito intenso e bruto para um ser humano suportar, porque desde muito cedo, somos educados e educamos para uma vida em comunidade, em companhia de outros e isto, a pertença grupal é um sentimento instintivo mais antigo que o próprio ser humano, porque a estrutura cerebral reptiliana antecede em centenas de milhões de anos à estrutura cortical consciente. Estar afastado da sociedade significa, em termos primitivos, a uma condenação existencial.
Na esteira disto, ocorre a perda de alguns sentimentos, como a perda de empatia, transformando o que antes poderia ser um ser humano em qualquer coisa, chegando ao ponto de ser classificado como monstro, ou seja, uma casaca vazia que não sente nada por ninguém.
A perda de noção de tempo é outra parte do processo, as paredes brancas tendem a ir desgastando o senso de mudança das horas e estações até que não exista mais, no indivíduo, a capacidade de determinação do espaço-tempo pensado de forma abstrata como é possível fazer. Ocorre, ainda perda da racionalidade, alterações psicológicas, estas difíceis de prever, porque cada ser irá reagir de forma singular quando privado de sua condição de liberdade.
O pertencimento social conduz a obediência a leis e costumes que dado o seu constante exercício forma o que se chama de consciência social, princípios morais, obediência civil, civilidade, urbanidade, ética. Quando se afasta o indivíduo deste processo, aos poucos seus sentimentos com relação a estas situações vão desaparecendo, uma vez que não são praticados e o que resta é um ser que segue suas próprias leis, este que Aristóteles (384-322a.n.e. [2007] classifica como não sendo humano, chegando a afirmar que ou é um deus ou é um animal, porque somente os deuses e os animais podem viver sem leis e/ou sozinhos.

MUTUM CULTURAL: O que precisa ser aprimorado no nosso sistema prisional?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: A estrutura de cumprimento da sentença, em que a maioria dos condenados fica sem ter o que fazer, perdidos em pensamentos espúrios e vazios. Nisto, surge a necessidade de que se aprimore na questão de proporcionar atividades laborais concretas, destinadas a produzir bens de consumo próprio e que possam gerar divisas para o Estado.
A questão do ensino e das atividades físicas, religiosas, também necessita ser pensadas de forma a que os detentos tenham acompanhamento profissional adequado e isto não se trata de dar a eles, nenhum tipo de privilégio, mas parte da ideia de proporcionar auxílio para que possam ter o mínimo possível de condições de reabilitar-se socialmente.
Quando o sistema deixa o indivíduo entregue à sua própria sorte, crente de que a natureza divina cuida de proteger os homens do mau, direcionando-os para caminhos virtuosos, tem-se a produção de criaturas estranhas e sem medidas que seguirão seus próprios princípios de fé e de verdade.
Atividades laborais irão contribuir para o aperfeiçoamento e mesmo para uma profissionalização do apenado, porque em sua maioria não possuem profissões de ofício, a começar que são detidos em tenra idade; agrega-se a isto, o nosso combalido sistema educacional que, ao estrangular o ensino técnico, entrega para a sociedade, um jovem de 18 anos de idade que não possui uma profissão oficializada, ainda. Dispõe na sociedade um sujeito crítico, mas que não sabe fazer absolutamente nada!



MUTUM CULTURAL: Ao construir sua narrativa, é utilizado a logopeia de Ezra Pound, ou seja, a comparação com narrativas da cultura universal. Dois exemplos são a velha história árabe d’O Gênio Na Garrafa e o Minotauro da mitologia grega. Qual a importância dessas narrativas universais para a compreensão do ser humano na sociedade hoje?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: A garrafa representa o que hoje se preconizou chamar de bolha, onde todos nascem, crescem, formam uma personalidade virtual, reproduzem um vazio intelectual e espiritual, tudo isto na ausência mais completa de qualquer relação de empatia, porque não existe contato físico, como se tal coisa fosse transmitir uma doença crônica mortal.
Assim é que, no aniversário dos amigos e mesmo das pessoas mais próximas como marido, esposa, namoradas, filhos, manda-se um emoj de flores, de abraço, de beijo, uma oração [re]copiada de algum site qualquer, tudo isto em nome do tempo, da falta de tempo, etc... Em pouquíssimos anos, todos à volta são estranhos, o que faz com que quando ocorre um atropelamento, todos querem tirar fotos e selfies com a vítima arrebentada, ao invés de chamar a ajuda especializada.
Com o tempo, torna-se avesso ao contato humano, ao ponto de que se alguém vem com a intenção de dar um abraço isto já é interpretado como assédio e um processo judicial ou um empurrão aguarda o indivíduo inocente. Perde-se a humanidade quando se passa muito tempo afastado do contato humano com seres humanos, lidando tão somente com situações mecânicas de relacionamentos.
Com relação ao Minotauro, o labirinto representa esta existência vazia, sem sentido e que não mostra a menor possibilidade de uma fuga em que o ser humano percorre não se sabe que vias, em busca sabe-se lá de quê, sozinho, porque teme procurar ajuda e nisto admitir que está perdido, porque o seu companheiro, mais perdido que ele, procura em si esta condição de força e de coragem. F. Nietzsche tem um aforismo onde diz: “Eu sou o valor que dou a mim mesmo!” E o valor que a igualdade pode auferir ao ser humano é isto: o nada!, a solidão, o vazio, a ausência de sentido completa para si mesmo. A vida e a existência não podem ser reduzidas a um labirinto sem saída, porque o fracasso constante embrutece até o ponto de ver-se entregue a um estado deplorável de psicopatia.

MUTUM CULTURAL: Em que situações da vida atual o ser humano sente-se como encarcerado e não ousa fazer a pergunta que intitula o livro?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: No Século XXI, a todo instante. E tornou-se escravo desta condição porque teme a resposta que virá de si mesmo; ele não sabe o que fazer de sua vida no instante seguinte, dado que a existência e toda a liberdade porque o ser humano lutou desde fins da década de 1960, transformou-o em um autômato, uma criatura anômica, sem saber o que quer da vida, vivendo de acordo com a gíria: seguindo o fluxo.
Para fazer tal pergunta, é preciso ousar e saber que a resposta pode ser um simples não sei e isto não significa estado de decadência, devendo ser tomado como princípio para buscar uma resposta. Em Filosofia, toda grande descoberta parte de uma pergunta, para a qual inicialmente não se tem resposta alguma, às vezes, nada mais que hipóteses, suposições, elucubrações. O valor encontra-se na coragem de se fazer a pergunta e ao deparar-se com uma incerteza ou um vazio, compreender que faz-se necessário preencher estes espaços em branco e isto somente se consegue enfrentando a realidade, por mais cruel que possa parecer e mesmo apresentar-se ao indivíduo.
O fato de evitar fazer tal pergunta representa despreparo para com a existência, medo de ter que enfrentar a vida e fracassar. No entanto, fracasso e sucesso são faces da mesma moeda, produtos da ação. Como diria o Zaratustra de Nietzsche: “Eis a vida! Então, vamos à vida!”    

MUTUM CULTURAL: O que este livro diz para os trabalhadores na educação como professores, especialistas, diretores e serviçais, bem como os gestores, no exercício da sua profissão?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: Educação é um compromisso social, não um direito como se quer fazer acreditar; é um dever cívico. A comunidade escolar deve tomar para si a missão de formar um homem em sua integralidade. E isto implica em construir valores concretos, tendo em vista a história daqueles que nos antecederam e a pretensão de construir um Estado melhor, não abstendo da tradição clássica e nem dos princípios humanísticos que permitiriam ao homem resistir a tantas e tantas mudanças radicais.
À escola cabe ensinar aos estudantes como aplicar seu intelecto para o crescimento individual e social e nisto inclui o respeito e a obediência àquilo que mais se possui de valor na sociedade: O Outro. Nietzsche expressa sobre isto o seguinte: “Quando se julga um criminoso, diz-se que ele falhou com a sociedade. engano fatal. Foi a família, a escola, o padre, o pastor, todos que falharam com ele” (2007) e, por consequência, todos falharam ainda com a sociedade que passa a temer este indivíduo e a sofrer em suas mãos.

MUTUM CULTURAL: Quais são as suas expectativas para o Café Literário no dia 15 desse mês, na Biblioteca Municipal?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: Minha expectativa é a de que os participantes entendam que o livro é uma expressão de que existe uma necessidade premente de discussão sobre uma problemática e não sobre um problema isolado. Todo o texto traz uma discussão em torno de uma situação factual, presente e crescente e que a não intervenção eleva o custo social da existência, onde todos estão se tornando escravos da própria inépcia social, no que se refere ao assunto posto.

 PRIMEIRA PARTE DA ENTREVISTA: MUTUM CULTURAL


                      O blog Mutum Cultural reforça o convite para o Café Literário.


terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

A PERGUNTA QUE TODOS FAZEMOS - PARTE I


ENTREVISTA COM SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA


O convidado para o primeiro Café Literário de 2020 é o Pós-doutorado em Psicologia Social, graduado em Pedagogia e Ciências Sociais, sócio-diretor do Instituto Educacional Athena, Sérgio Rodrigues de Souza.



A sua obra O que farei da minha vida ao sair daqui? Um ensaio sobre pedagogia carcerária, publicado pela editora Appris em 2018, começou a ser gestada a partir de suas anotações em 2008, durante uma aula na Cadeia Pública de Mutum (Centro de Detenção Provisória) cujo tema tornou-se título do livro.

Foram dez anos de amadurecimento. A obra nos faz refletir sobre essa pergunta. Estamos sempre saindo de algum lugar, alguma situação. Planejamos, mas nem sempre o destino nos possibilita realizar o que pautamos para o tempo vindouro.

Vale a pena conhecer essa obra através do Café Literário, dia 15 de fevereiro a partir das 08:00 hs.

Leia a entrevista com o autor:

ENTREVISTA

MUTUM CULTURAL: Na apresentação do livro é dito que uma das finalidades é mudar o EU. Quais as principais lições que o leitor pode tirar ao ler seu livro?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA É muito difícil dizer que mudanças ocorrerão nas estruturas cognitivas e intelectuais de alguém a partir da leitura de um livro e muito mais complexo é determinar uma mudança comportamental. Cada indivíduo representa um mundo e este EU, a que me refiro é a representação de uma conjuntura gnosiológica.
Mas, arrisco-me a apresentar algumas importantes lições que podem ser extraídas:

1) A família, solidamente formada, é tudo para o ser humano;

2) Educação é um princípio social, não um direito subjetivo, onde eu faço uso ou não de acordo com a minha vontade deliberada;

3) A única forma eficiente de combate à delinquência é a prevenção; qualquer outra é mero paliativo, eufemismo. Entre os russos, existe um ditado interessante: ‘o que deixa bêbado é o primeiro gole, não o último’.

4) Assim como Aristóteles (384-322a.C.) já havia afirmado, o ser humano sente ânsia de pertença a um conjunto social e M. Foucault (1926-1984) vem afirmar que o ser humano deseja ser reconhecido e para isto realiza coisas incríveis, indo desde criações úteis à sociedade, inúteis e mesmo nocivas. Nisto, todo o cuidado é pouco para que este desejo pathológico [sentimental profundo] de reconhecimento social não se transforme em um desejo patológico [doentio] de reconhecimento individual, onde os fins passam a justificar os meios.

5) O ser humano necessita de um objetivo na vida que o transcenda. Nossos pais são mais felizes que nós, porque realizaram seus objetivos em grande medida. Seus objetivos eram ter filhos, vê-los crescer, formar uma família unida e se alguém quiser me rebater alegando que muitos construíram grandes coisas, realizaram grandes feitos, tudo isto foi feito em nome da família, em prol dela e em torno da mesma.


MUTUM CULTURAL: Sem fazer juízo sobre sua ideologia política, há uma leitura interessante sobre o tempo em que Adolf Hitler passou encarcerado e a contribuição deste para a sistematização das suas ideias no livro Mein Kampf. Que paralelo você faz sobre o encarceramento vivido por Hitler e o encarceramento vivido aqui no Brasil?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: A título de esclarecimento, minha análise não é nem ideológica e muito menos político-ideológica. Ela é antropológica, fundamentada nos princípios da Epigenética. Eu busco ali analisar o espírito do homem quando sob condições extremas, alijado do contato com a cultura ampla, em que ele se volta para a cultura micro que, para sua maldição, não dá conta de proporcionar-lhe contato com um universo de coisas, sentimentos, frustrações e experiências.
Na vida, não é a experiência que se vive que provoca transformações no espírito. É a forma como se é atravessado por esta experiência que vai determinar as mutações, a curto, médio e longo prazos. Esta observação valeu a Frederico Nietzsche (1844-1900) a afirmação de que nossa personalidade é caracterizada muito mais pelas experiências que não vivemos.
O livro de A. Hitler (1889-1945) é um tratado escrito fundamentado sobre uma narrativa sociológica e antropológica, onde ele analisa o homem alemão de fins do Século XIX e início do Século XX, capturado e imerso em um ambiente completamente diferente do que estava acostumado a viver e a batalhar. No entanto, não eram mais indivíduos dotados de espírito revolucionário, capazes de pegar em armas e derrubar tudo, para começar do zero.
Como nórdicos, estavam anestesiados e alienados, mas bastou que alguém o incite para a destruição que aderiram sem pensar muito, porque o próprio autor já havia percebido este sentimento de indiferença quanto às rebeliões e ao caos, quando o indivíduo é submetido por muito tempo à opressão.
Infelizmente, Hitler utiliza a máquina estatal para fazer despertar este sentimento no povo, o que faz com que a maioria [quase absoluta] enxergue o seu ato como uma política ideológica. Ele fez uso da Psicologia Social, que aliás provou ser conhecedor e exímio manipulador.
O engodo mais intrigante da nossa era é o de crer na ideia ingênua de que o Estado está à margem de nós, o povo, ou que nós, o povo, vivamos à margem dele. É o povo quem dita as regras das políticas de Estado e não este quem dita a forma como o povo irá se comportar. O ethos social é um componente variante do ethos cultural, fundamentado sobre princípios muito sólidos, sobre os quais estão os fundamentos filogenéticos e ontogenéticos.
Quando Hitler é apresentado ao povo alemão como seu chanceler, o grande gênio Sigmund Freud (1856-1939), escreveu um texto alertando para o fato de que dias muito sombrios se abateriam sobre a Alemanha.
Quando Hitler cai preso, em 1923, ele tinha uma única certeza, a de que seria morto, afinal, estava condenado por crime de estado, nisto se transforma na criatura mais perigosa que existe, na concepção de Goethe, aquele que já não tem mais nada a perder. Isto influenciou, sobremaneira, na carga pathológica que deposita em seu livro, descrevendo cada detalhe, cada centímetro quadrado da vida de Viena, o que viveu, o que viu e o que teve que fazer para sobreviver.
Seu livro Mein Kempf (Minha Luta) é o único tratado sociológico, na história da humanidade, que narra a condição de miséria do ser humano que vivia nos guetos e sarjetas, a partir da experiência miserável que esta condição de vida e ausência de qualquer perspectiva de futuro podia proporcionar-lhes. Ele se fundamenta e provoca o seu leitor a compreender a realidade social alemã a partir da falta de uma visão de futuro, a anomia. Por isto que fomenta o espírito nacionalista no povo alemão e todo o discurso de patriotismo alemão puro.

MUTUM CULTURAL: O questionamento feito aos detentos em 2008 “o que farei da minha vida ao sair daqui?” poderia ser feito aos estudantes de nossas escolas, independente do contexto?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: Sem dúvidas. Porque esta pergunta é de caráter retórico e tão comum ao ser humano, até a geração a qual pertence nossos pais e em grau muito diminuto, ela é feita pela geração que tem menos de 40 anos de idade, momento em que acontece um interessante paradoxo onde alguns eruditos sem ter o que fazer da vida, resolveram dizer que as crianças e os jovens deveriam ser livres para pensar suas vidas como bem entendessem. Fizeram todas as besteiras da vida que a sociedade permitiu, mas na hora de pagar a conta, cadê a potência para isto? Foram transformados em homens de palha (parafraseando Nietzsche); mas voltando à questão original, esta foi a pergunta feita pelo Primeiro Homem, Adam, quando recebeu a sua sentença do Pai Criador.
Trata-se da construção de uma visão de futuro, de um ideal, entendendo o ideal não como uma utopia, mas como um fato social ambicionado e pelo qual se luta, na expectativa de o alcançar, de o conquistar e não simplesmente de conseguir.
O estudante deve entender que educação acadêmico-escolar não é um direito que ele assume; trata-se de um dever social, uma responsabilidade que ele assume e que o acompanhará por toda a sua existência, logo, se ele não tem uma visão de futuro é porque a sociedade na qual está inserido, também não possui e o condenou a este vazio existencial.
Sócrates argumentava que a vida desprovida de um profundo exame antropológico não é digna de ser vivida.

CONVITE: CAFÉ LITERÁRIO




SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA