terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

A PERGUNTA QUE TODOS FAZEMOS - PARTE I


ENTREVISTA COM SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA


O convidado para o primeiro Café Literário de 2020 é o Pós-doutorado em Psicologia Social, graduado em Pedagogia e Ciências Sociais, sócio-diretor do Instituto Educacional Athena, Sérgio Rodrigues de Souza.



A sua obra O que farei da minha vida ao sair daqui? Um ensaio sobre pedagogia carcerária, publicado pela editora Appris em 2018, começou a ser gestada a partir de suas anotações em 2008, durante uma aula na Cadeia Pública de Mutum (Centro de Detenção Provisória) cujo tema tornou-se título do livro.

Foram dez anos de amadurecimento. A obra nos faz refletir sobre essa pergunta. Estamos sempre saindo de algum lugar, alguma situação. Planejamos, mas nem sempre o destino nos possibilita realizar o que pautamos para o tempo vindouro.

Vale a pena conhecer essa obra através do Café Literário, dia 15 de fevereiro a partir das 08:00 hs.

Leia a entrevista com o autor:

ENTREVISTA

MUTUM CULTURAL: Na apresentação do livro é dito que uma das finalidades é mudar o EU. Quais as principais lições que o leitor pode tirar ao ler seu livro?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA É muito difícil dizer que mudanças ocorrerão nas estruturas cognitivas e intelectuais de alguém a partir da leitura de um livro e muito mais complexo é determinar uma mudança comportamental. Cada indivíduo representa um mundo e este EU, a que me refiro é a representação de uma conjuntura gnosiológica.
Mas, arrisco-me a apresentar algumas importantes lições que podem ser extraídas:

1) A família, solidamente formada, é tudo para o ser humano;

2) Educação é um princípio social, não um direito subjetivo, onde eu faço uso ou não de acordo com a minha vontade deliberada;

3) A única forma eficiente de combate à delinquência é a prevenção; qualquer outra é mero paliativo, eufemismo. Entre os russos, existe um ditado interessante: ‘o que deixa bêbado é o primeiro gole, não o último’.

4) Assim como Aristóteles (384-322a.C.) já havia afirmado, o ser humano sente ânsia de pertença a um conjunto social e M. Foucault (1926-1984) vem afirmar que o ser humano deseja ser reconhecido e para isto realiza coisas incríveis, indo desde criações úteis à sociedade, inúteis e mesmo nocivas. Nisto, todo o cuidado é pouco para que este desejo pathológico [sentimental profundo] de reconhecimento social não se transforme em um desejo patológico [doentio] de reconhecimento individual, onde os fins passam a justificar os meios.

5) O ser humano necessita de um objetivo na vida que o transcenda. Nossos pais são mais felizes que nós, porque realizaram seus objetivos em grande medida. Seus objetivos eram ter filhos, vê-los crescer, formar uma família unida e se alguém quiser me rebater alegando que muitos construíram grandes coisas, realizaram grandes feitos, tudo isto foi feito em nome da família, em prol dela e em torno da mesma.


MUTUM CULTURAL: Sem fazer juízo sobre sua ideologia política, há uma leitura interessante sobre o tempo em que Adolf Hitler passou encarcerado e a contribuição deste para a sistematização das suas ideias no livro Mein Kampf. Que paralelo você faz sobre o encarceramento vivido por Hitler e o encarceramento vivido aqui no Brasil?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: A título de esclarecimento, minha análise não é nem ideológica e muito menos político-ideológica. Ela é antropológica, fundamentada nos princípios da Epigenética. Eu busco ali analisar o espírito do homem quando sob condições extremas, alijado do contato com a cultura ampla, em que ele se volta para a cultura micro que, para sua maldição, não dá conta de proporcionar-lhe contato com um universo de coisas, sentimentos, frustrações e experiências.
Na vida, não é a experiência que se vive que provoca transformações no espírito. É a forma como se é atravessado por esta experiência que vai determinar as mutações, a curto, médio e longo prazos. Esta observação valeu a Frederico Nietzsche (1844-1900) a afirmação de que nossa personalidade é caracterizada muito mais pelas experiências que não vivemos.
O livro de A. Hitler (1889-1945) é um tratado escrito fundamentado sobre uma narrativa sociológica e antropológica, onde ele analisa o homem alemão de fins do Século XIX e início do Século XX, capturado e imerso em um ambiente completamente diferente do que estava acostumado a viver e a batalhar. No entanto, não eram mais indivíduos dotados de espírito revolucionário, capazes de pegar em armas e derrubar tudo, para começar do zero.
Como nórdicos, estavam anestesiados e alienados, mas bastou que alguém o incite para a destruição que aderiram sem pensar muito, porque o próprio autor já havia percebido este sentimento de indiferença quanto às rebeliões e ao caos, quando o indivíduo é submetido por muito tempo à opressão.
Infelizmente, Hitler utiliza a máquina estatal para fazer despertar este sentimento no povo, o que faz com que a maioria [quase absoluta] enxergue o seu ato como uma política ideológica. Ele fez uso da Psicologia Social, que aliás provou ser conhecedor e exímio manipulador.
O engodo mais intrigante da nossa era é o de crer na ideia ingênua de que o Estado está à margem de nós, o povo, ou que nós, o povo, vivamos à margem dele. É o povo quem dita as regras das políticas de Estado e não este quem dita a forma como o povo irá se comportar. O ethos social é um componente variante do ethos cultural, fundamentado sobre princípios muito sólidos, sobre os quais estão os fundamentos filogenéticos e ontogenéticos.
Quando Hitler é apresentado ao povo alemão como seu chanceler, o grande gênio Sigmund Freud (1856-1939), escreveu um texto alertando para o fato de que dias muito sombrios se abateriam sobre a Alemanha.
Quando Hitler cai preso, em 1923, ele tinha uma única certeza, a de que seria morto, afinal, estava condenado por crime de estado, nisto se transforma na criatura mais perigosa que existe, na concepção de Goethe, aquele que já não tem mais nada a perder. Isto influenciou, sobremaneira, na carga pathológica que deposita em seu livro, descrevendo cada detalhe, cada centímetro quadrado da vida de Viena, o que viveu, o que viu e o que teve que fazer para sobreviver.
Seu livro Mein Kempf (Minha Luta) é o único tratado sociológico, na história da humanidade, que narra a condição de miséria do ser humano que vivia nos guetos e sarjetas, a partir da experiência miserável que esta condição de vida e ausência de qualquer perspectiva de futuro podia proporcionar-lhes. Ele se fundamenta e provoca o seu leitor a compreender a realidade social alemã a partir da falta de uma visão de futuro, a anomia. Por isto que fomenta o espírito nacionalista no povo alemão e todo o discurso de patriotismo alemão puro.

MUTUM CULTURAL: O questionamento feito aos detentos em 2008 “o que farei da minha vida ao sair daqui?” poderia ser feito aos estudantes de nossas escolas, independente do contexto?

SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: Sem dúvidas. Porque esta pergunta é de caráter retórico e tão comum ao ser humano, até a geração a qual pertence nossos pais e em grau muito diminuto, ela é feita pela geração que tem menos de 40 anos de idade, momento em que acontece um interessante paradoxo onde alguns eruditos sem ter o que fazer da vida, resolveram dizer que as crianças e os jovens deveriam ser livres para pensar suas vidas como bem entendessem. Fizeram todas as besteiras da vida que a sociedade permitiu, mas na hora de pagar a conta, cadê a potência para isto? Foram transformados em homens de palha (parafraseando Nietzsche); mas voltando à questão original, esta foi a pergunta feita pelo Primeiro Homem, Adam, quando recebeu a sua sentença do Pai Criador.
Trata-se da construção de uma visão de futuro, de um ideal, entendendo o ideal não como uma utopia, mas como um fato social ambicionado e pelo qual se luta, na expectativa de o alcançar, de o conquistar e não simplesmente de conseguir.
O estudante deve entender que educação acadêmico-escolar não é um direito que ele assume; trata-se de um dever social, uma responsabilidade que ele assume e que o acompanhará por toda a sua existência, logo, se ele não tem uma visão de futuro é porque a sociedade na qual está inserido, também não possui e o condenou a este vazio existencial.
Sócrates argumentava que a vida desprovida de um profundo exame antropológico não é digna de ser vivida.

CONVITE: CAFÉ LITERÁRIO




SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA

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