ENTREVISTA COM SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA
O convidado para o primeiro Café Literário de 2020 é o
Pós-doutorado em Psicologia Social, graduado em Pedagogia e Ciências Sociais,
sócio-diretor do Instituto Educacional Athena, Sérgio Rodrigues de Souza.
A sua obra O que farei da minha vida ao sair daqui? Um
ensaio sobre pedagogia carcerária, publicado pela editora Appris em 2018,
começou a ser gestada a partir de suas anotações em 2008, durante uma aula na
Cadeia Pública de Mutum (Centro de Detenção Provisória) cujo tema tornou-se
título do livro.
Foram dez anos de amadurecimento. A obra nos faz refletir
sobre essa pergunta. Estamos sempre saindo de algum lugar, alguma situação. Planejamos,
mas nem sempre o destino nos possibilita realizar o que pautamos para o tempo
vindouro.
Vale a pena conhecer essa obra através do Café Literário,
dia 15 de fevereiro a partir das 08:00 hs.
Leia a entrevista com o autor:
ENTREVISTA
MUTUM CULTURAL: Na apresentação do livro é dito que uma das
finalidades é mudar o EU. Quais as principais lições que o leitor pode tirar ao
ler seu livro?
SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA É muito difícil dizer que
mudanças ocorrerão nas estruturas cognitivas e intelectuais de alguém a partir
da leitura de um livro e muito mais complexo é determinar uma mudança
comportamental. Cada indivíduo representa um mundo e este EU, a que me refiro é
a representação de uma conjuntura gnosiológica.
Mas, arrisco-me a apresentar
algumas importantes lições que podem ser extraídas:
1) A família, solidamente
formada, é tudo para o ser humano;
2) Educação é um princípio
social, não um direito subjetivo, onde eu faço uso ou não de acordo com a minha
vontade deliberada;
3) A única forma eficiente
de combate à delinquência é a prevenção; qualquer outra é mero paliativo,
eufemismo. Entre os russos, existe um ditado interessante: ‘o que deixa bêbado
é o primeiro gole, não o último’.
4) Assim como Aristóteles
(384-322a.C.) já havia afirmado, o ser humano sente ânsia de pertença a um conjunto social e M. Foucault (1926-1984)
vem afirmar que o ser humano deseja ser reconhecido e para isto realiza coisas
incríveis, indo desde criações úteis à sociedade, inúteis e mesmo nocivas.
Nisto, todo o cuidado é pouco para que este desejo pathológico [sentimental profundo] de reconhecimento
social não se transforme em um desejo patológico [doentio] de reconhecimento individual, onde os fins passam a
justificar os meios.
5) O ser humano necessita de
um objetivo na vida que o transcenda. Nossos pais são mais felizes que nós,
porque realizaram seus objetivos em grande medida. Seus objetivos eram ter
filhos, vê-los crescer, formar uma família unida e se alguém quiser me rebater
alegando que muitos construíram grandes coisas, realizaram grandes feitos, tudo
isto foi feito em nome da família, em prol dela e em torno da mesma.
MUTUM CULTURAL: Sem fazer juízo sobre sua ideologia
política, há uma leitura interessante sobre o tempo em que Adolf Hitler passou
encarcerado e a contribuição deste para a sistematização das suas ideias no
livro Mein Kampf. Que paralelo você
faz sobre o encarceramento vivido por Hitler e o encarceramento vivido aqui no
Brasil?
SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: A título de esclarecimento,
minha análise não é nem ideológica e muito menos político-ideológica. Ela é
antropológica, fundamentada nos princípios da Epigenética. Eu busco ali analisar o espírito do homem quando sob
condições extremas, alijado do contato com a cultura ampla, em que ele se volta
para a cultura micro que, para sua maldição, não dá conta de proporcionar-lhe
contato com um universo de coisas, sentimentos, frustrações e experiências.
Na vida, não é a experiência
que se vive que provoca transformações no espírito. É a forma como se é
atravessado por esta experiência que vai determinar as mutações, a curto, médio
e longo prazos. Esta observação valeu a Frederico Nietzsche (1844-1900) a
afirmação de que nossa personalidade é caracterizada muito mais pelas
experiências que não vivemos.
O livro de A. Hitler
(1889-1945) é um tratado escrito fundamentado sobre uma narrativa sociológica e
antropológica, onde ele analisa o homem alemão de fins do Século XIX e início
do Século XX, capturado e imerso em um ambiente completamente diferente do que
estava acostumado a viver e a batalhar. No entanto, não eram mais indivíduos
dotados de espírito revolucionário, capazes de pegar em armas e derrubar tudo,
para começar do zero.
Como nórdicos, estavam
anestesiados e alienados, mas bastou que alguém o incite para a destruição que
aderiram sem pensar muito, porque o próprio autor já havia percebido este
sentimento de indiferença quanto às rebeliões e ao caos, quando o indivíduo é
submetido por muito tempo à opressão.
Infelizmente, Hitler utiliza
a máquina estatal para fazer despertar este sentimento no povo, o que faz com
que a maioria [quase absoluta]
enxergue o seu ato como uma política ideológica. Ele fez uso da Psicologia
Social, que aliás provou ser conhecedor e exímio manipulador.
O engodo mais intrigante da
nossa era é o de crer na ideia ingênua de que o Estado está à margem de nós, o
povo, ou que nós, o povo, vivamos à margem dele. É o povo quem dita as regras
das políticas de Estado e não este quem dita a forma como o povo irá se
comportar. O ethos social é um
componente variante do ethos
cultural, fundamentado sobre princípios muito sólidos, sobre os quais estão os
fundamentos filogenéticos e ontogenéticos.
Quando Hitler é apresentado
ao povo alemão como seu chanceler, o grande gênio Sigmund Freud (1856-1939),
escreveu um texto alertando para o fato de que dias muito sombrios se abateriam
sobre a Alemanha.
Quando Hitler cai preso, em
1923, ele tinha uma única certeza, a de que seria morto, afinal, estava
condenado por crime de estado, nisto
se transforma na criatura mais perigosa que existe, na concepção de Goethe,
aquele que já não tem mais nada a perder. Isto influenciou, sobremaneira, na
carga pathológica que deposita em seu livro, descrevendo cada detalhe, cada
centímetro quadrado da vida de Viena, o que viveu, o que viu e o que teve que
fazer para sobreviver.
Seu livro Mein Kempf (Minha Luta) é o único
tratado sociológico, na história da humanidade, que narra a condição de miséria
do ser humano que vivia nos guetos e sarjetas, a partir da experiência
miserável que esta condição de vida e ausência de qualquer perspectiva de
futuro podia proporcionar-lhes. Ele se fundamenta e provoca o seu leitor a
compreender a realidade social alemã a partir da falta de uma visão de futuro,
a anomia. Por isto que fomenta o espírito nacionalista no povo alemão e todo o
discurso de patriotismo alemão puro.
MUTUM CULTURAL: O questionamento feito aos detentos em 2008
“o que farei da minha vida ao sair daqui?” poderia ser feito aos estudantes de
nossas escolas, independente do contexto?
SÉRGIO RODRIGUES DE SOUZA: Sem dúvidas. Porque esta
pergunta é de caráter retórico e tão comum ao ser humano, até a geração a qual
pertence nossos pais e em grau muito diminuto, ela é feita pela geração que tem
menos de 40 anos de idade, momento em que acontece um interessante paradoxo
onde alguns eruditos sem ter o que fazer da vida, resolveram dizer que as
crianças e os jovens deveriam ser livres para pensar suas vidas como bem
entendessem. Fizeram todas as besteiras da vida que a sociedade permitiu, mas
na hora de pagar a conta, cadê a potência para isto? Foram transformados em
homens de palha (parafraseando Nietzsche); mas voltando à questão original,
esta foi a pergunta feita pelo Primeiro Homem, Adam, quando recebeu a sua
sentença do Pai Criador.
Trata-se da construção de
uma visão de futuro, de um ideal, entendendo o ideal não como uma utopia, mas
como um fato social ambicionado e pelo qual se luta, na expectativa de o
alcançar, de o conquistar e não simplesmente de conseguir.
O estudante deve entender
que educação acadêmico-escolar não é um direito que ele assume; trata-se de um
dever social, uma responsabilidade que ele assume e que o acompanhará por toda
a sua existência, logo, se ele não tem uma visão de futuro é porque a sociedade
na qual está inserido, também não possui e o condenou a este vazio existencial.
Sócrates argumentava que a
vida desprovida de um profundo exame antropológico não é digna de ser vivida.
CONVITE: CAFÉ LITERÁRIO
SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA
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